a produção cultural revela o criador: a questão da idolatria na música cataflor
- Cru Ceará
- 17 de jul. de 2020
- 6 min de leitura

É incontestável que nós, seres humanos, como seres sociais - e não somente sociais, mas biopsicossocioespirituais -, somos bastante influenciados pela cultura que nos circunda. Somos influenciados em nossas músicas, nossos filmes, nossas vestimentas, entre outros. Não é à toa que muito se tem discutido no universo acadêmico e nos mais variados ambientes a respeito da influência do meio e, consequentemente, da cultura em nossos comportamentos. Não se engane, a cada dia que passa estamos, talvez, mais e mais distantes da “originalidade” tão almejada em nosso mundo moderno. Hoje pensaremos um pouco sobre uma das questões que nos move: “Onde se assenta o problema do mal? Por que nosso coração age da forma que age? Onde está a raiz de tudo isso?” É exatamente aqui onde encontramos a resposta tão procurada: a idolatria.
Refletiremos sobre essa temática a partir da música “Cataflor”, do artista pop contemporâneo, Tiago Iorc. Se você ainda não a ouviu, sugiro que pare de ler esse texto por alguns minutos, escute a música e depois volte ao texto, para desmembrarmos essa canção e refletirmos sobre a idolatria a partir dela.
Desenvolver uma mentalidade correta acerca da idolatria, de quem nós somos e, principalmente, de quem Jesus é, a partir de uma cosmovisão bíblica, é sumamente importante, haja vista que o que produzimos é apenas um fruto da forma como enxergamos o mundo e como respondemos ao que dele recebemos.
Nossa discussão vai girar em torno de uma estrofe que mais desmascara esse mal – a idolatria - intrínseco em nosso coração corrompido:
“E se eu quiser dizer que o universo é feito pra você, só pra você?! E se eu quiser dizer que o universo inteiro mora em você, assim como eu?!”
Nessa estrofe, vemos de forma evidente a premissa antropocentrista, que, por sua vez, se baseia em correntes humanistas, deveras adotadas pela sociedade hodierna. “Você é suficiente, insubstituível e autossuficiente!” é o que repetem continuamente para nós nas propagadas, nas músicas e nas produções culturais - não em todas, mas na grande maioria, seja de forma explicita ou implícita. Existe uma ambiguidade gigantesca nesse discurso, porque, ao passo que o eu lírico em nada se diferencia do amor que louva e exalta, pode-se notar que, ao cantar “assim como eu”, ele dá fortes indícios de uma dependência emocional enraizada na idolatria do seu coração pecaminoso. O mesmo que fala, intrinsecamente, “Você é o centro do universo cósmico”, complementa “e do meu universo particular”. Isso é o que Tiago Iorc nos comunica por meio desses versos quando enxergamos, a partir de uma cosmovisão cristã, os desejos humanos.
Você pode estar pensando: “O que há de errado nisso?”. Bem, por mais belo que possa parecer, essas frases cantadas na produção cultural “Cataflor” são, em essência, perigosas, mentirosas e nocivas. Se vivermos influenciados por essa visão que põe o homem no centro, seja esse homem nós mesmos ou outro alguém, assemelharemo-nos a quem pisa em um campo minado de olhos vendados. Estamos vivendo um paganismo disfarçado de liberdade.
A grande questão disso tudo é que só existe um ser em todo o universo que tem a capacidade de estar no centro do universo: O Deus Todo-Poderoso. Quando nos deparamos com as Escrituras, inspiradas por este Deus, o Deus santo, inerrante, onisciente, transcendente e mais outros milhões de adjetivos que pertencem exclusivamente a Ele, elas não irão nos direcionar a um amor excessivo por nós mesmos, tampouco a um outro ser humano como nós, finito e limitado à matéria, ao espaço e ao tempo. Em uma direção oposta, a Bíblia instrui os homens em seu mandamento basilar - e talvez o mais desobedecido –: “Amarás o teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento” (Deuteronômio 4:5).
Diante da contemporaneidade afogada em correntes humanistas e antropocêntricas, falar em negar-se a si mesmo, abandonar os ídolos e viver uma vida de renúncia é um complexo impasse, já que o amor que Deus deseja que nós o entreguemos não é um amor superficial, mas sim um amor SACRIFICIAL. As Escrituras deixam claro que não há possibilidade de servirmos a dois deuses, Deus abomina a idolatria. Contudo, devemos refletir: O que é, de fato, a idolatria? Onde está sua gênese?
Por um longo período, alimentamos uma falsa ideia de que apenas eram idólatras as pessoas que, de forma explícita, sacrificavam animais ou objetos a algum deus pagão, bem como alguém que fazia para si deuses de gesso ou de madeira. Contudo, se adotarmos essa lógica, em muito nos enganaremos. A idolatria não está apenas nisso; ela se constitui um mal com raízes profundas, e não superficiais. D. A. Carson aborda essa temática em seu livro “Coração de Crente”: é no coração que se originam nossas idolatrias. Tudo aquilo que toma o lugar de Deus no nosso coração, tem, em si, a potencialidade de se tornar um ídolo. Cada pessoa tem seus ídolos, e usa os mais diferentes meios para satisfazê-los, a fim de se beneficiar de alguma forma nessa vida passageira, seja através do sucesso, do conhecimento, de uma vida de aparências etc.
O real problema que emerge quando associamos a idolatria apenas a práticas explicitamente pagãs é que, consequentemente, lidamos com ela de forma superficial. Achamos que uma simples abolição de comportamentos tidos como idólatras será suficiente. Todavia, se assim o fizermos, estaremos enganando a nós mesmos e ignorando completamente a forma como Deus, por meio das Escrituras, orienta-nos a lidar com esse mal, a fim de erradicá-lo da nossa vida.
Se a raiz da idolatria está no meu e no seu coração, então é a ele que devemos nos atentar. A Bíblia nos fala em 2 Coríntios 4:6: “Pois Deus, que disse, ‘Haja luz na escuridão’, é quem brilhou em nosso coração, para que conhecêssemos a glória de Deus na face de Jesus Cristo”. Para que pudéssemos contemplar a glória da Soberania de Deus em Jesus Cristo, foi necessário que o Senhor iluminasse os olhos do nosso coração. Isso nos mostra que, quando nosso coração está em trevas, ele está atento a tudo, exceto a Deus, sendo esse “tudo” todos os nossos ídolos.
Timothy Keller traz, em seu livro “deuses Falsos”, a seguinte definição de idolatria:
“Idolatria consiste em substituir Deus por alguma coisa criada no coração, no centro da vida. Ela pode ser praticada internamente na alma e no coração.” (p. 17)
Ainda, dito fora por J. R. R. Tolkien, em sua obra “Autor do século’’:
“Quando a mente se ocupa muito com um objeto, e o coração e os afetos se concentram muito nele, ocorre a adoração de alma, e essa é uma honra devida somente ao Senhor, a de ter o primeiro lugar, o mais elevado, tanto em nossa mente quanto em nosso coração e esforços.” (p. 36)
Paixões, redes sociais, famílias, filhos, amigos, riquezas, empregos... tudo é passível de se tornar um ídolo, um falso deus no nosso coração. Contudo, nada disso tem a capacidade de ser o que somente Deus é. Isso cabe exclusivamente à pessoa divina, ao nosso Deus.
As Escrituras deixam claro que não há possibilidade de servirmos a dois senhores (Mateus 6:24). De nada adianta querermos colocar algo ou alguém no trono do nosso coração, porque só Yahweh tem a potencialidade de reinar soberanamente sobre as nossas vidas, a partir de seus desígnios e propósitos, estabelecidos por Ele mesmo desde a eternidade. Em Lucas 14:26, Jesus nos adverte:
“Se alguém deseja seguir-me e ama a seu pai, sua mãe, sua esposa, seus filhos, seus irmãos e irmãs, e até mesmo a sua própria vida mais do que a mim, não pode ser meu discípulo”.
Que analisemos as motivações do nosso coração e oremos para que o Senhor ilumine nosso entendimento, para que possamos enxergar tudo aquilo que tem sido mais importante para nós que Ele e, assim, clamar para que Ele, com sua forte e poderosa mão, arranque todo altar que tenhamos levantado em nosso íntimo e destrua com amor e ira santa, a partir do seu ciúme zeloso, cada ídolo que queira tomar o lugar em nossas vidas que pertence somente a Ele, o soberano Deus. Que nós possamos clamar ao Senhor, para que Ele nos capacite a espalhar uma visão bíblica e teocêntrica no mundo em que estamos inseridos, por meio do que recebemos do Senhor em sua Palavra. Que estejamos inseridos na cultura como sal e luz, influenciando e trazendo pessoas a Cristo através de nossas produções culturais, a fim de confrontar os ídolos de nosso século.
“Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem ao vosso Pai, que está nos céus” (Mateus 5:16).
Amém.
Por Dayane Saraiva
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